“Os maturis tem um papel fundamental no pós crise”
A afirmação é do médico Alexandre Kalache uma sumidade quando o tema é envelhecimento.
O Hospital São Lucas está localizado em Copacabana.
O bairro é onde se concentra a maior população de idosos do Rio de Janeiro Foi lá, em 1945 que nasceu Alexandre Kalache, quando o lugar ainda era apenas uma maternidade. “Devo acabar meus dias, onde comecei – afinal o São Lucas é hoje virtualmente um hospital geriátrico!”, brinca o médico que não por acaso se tornou um dos maiores experts em envelhecimento do mundo e é um dos convidados do MaturiFest 2020, o primeiro Festival de Trabalho e Empreendedorismo 50+ ONLINE do Brasil, que acontecerá de 06 a 09 de julho.
Morador da avenida Atlântica quando está no Brasil dirigindo o Centro Internacional da Longevidade, descobriu cedo o valor do contato dos maduros.
A mãe, com 102 anos, mesmo com o avanço do Alzheimer mantém a alegria e a força que o influenciaram para a escolha da profissão.
Na adolescência, assumiu o papel de cuidador da avó com câncer que veio morar com a família. “Isso me despertou para a importância de proteger os mais velhos e lá na frente foi decisivo na escolha da minha especialização. A profissão estava predeterminada pela família: eu poderia fazer tudo o que eu quisesse…desde que fosse medicina”, relembra sorrindo.
Aos 29 anos, foi para o Reino Unido fazer o mestrado em Medicina Social em Londres engatilhando o doutorado em Epidemiologia em Oxford.
Depois de seu trabalho acadêmico, após o mestrado, fundou o Departamento de Epidemiologia do Envelhecimento da London School of Hygiene and Tropical Medicine, a mais importante Escola de Saúde Pública da Inglaterra, onde também lecionou de 1984 a 1994.
São 45 anos dedicados a estudar, formular, ensinar, debater, políticas e ações para o bem envelhecer. Faz parte de inúmeros conselhos e entidades voltadas para o direito das pessoas idosas no Brasil e fora.
De 1995 a 2008, Kalache dirigiu o programa global de envelhecimento da OMS. Dentre muitas outras iniciativas que perduram até hoje, liderou o processo de elaboração da Política de Envelhecimento Ativo e do projeto Cidade Amiga do Idoso.
E de novo Copacabana serviu como inspiração, visto que 30% dos moradores do bairro há anos tem mais de 60 anos, segundo dados do IBGE. Em 2005, quando fez a conferência inaugural do Congresso Internacional de Gerontologia, no Rio Centro, perguntou aos presentes no plenário repleto “o que lhes vem a cabeça quando falo a palavra “Copacabana?”.
As mãos se ergueram quando sugeri praia, calçadão, bossa nova, carnaval, mulher bonita, mas ninguém pensou em idosos. A velhice torna a pessoas invisíveis e garanto, que envelhecer é a melhor coisa que pode acontecer ao ser humano…todos sabem que a outra opção é a morte precoce”, afirma.
Para preparar a palestra, onde haveria uma audiência de milhares de participantes vindos de vários países, organizou um estudo informal com grupos focais de moradores idosos de Copacabana.
Com base nele, amarrou a metodologia e partiu para estudos em paralelo em 35 cidades mundo afora. A partir dos resultados, lançou, em 2007, o Guia da OMS para as Cidades Amigas dos Idosos, abordando áreas como transporte, moradia, participação social, acesso a serviços, trabalho, educação.
Hoje, mais de 2000 cidades adotaram o protocolo. No Brasil, apenas 6 cidades aderiram ao programa com o devido rigor. Muito pouco quando se lembra que entre 2011 e 2030, a proporção de idosos no País deve dobrar de 10% para 20%.
“Mas pelo menos aqui se tem a vantagem da uma Previdência universal, a grande maioria dos ‘idosos’ tem alguma renda e alguns, como os funcionários públicos viram aposentados ricos”, ressalta o membro do Conselho para Envelhecimento do Fórum Econômico Mundial.
Na crise do coronavírus, essa dependência econômica se tornou ainda mais evidente com o desemprego e a suspensão dos trabalhos informais. Os grisalhos acabaram se tornando o esteio de muitas famílias.
De acordo com uma pesquisa do IPEA, pessoas com 65 anos ou mais sustentam 19,3% dos domicílios do país. “Temos de protegê-los a qualquer custo, pois além da diminuição de renda, a morte deles representa a perda de quem cuida dos netos e presta apoio emocional para toda a família”, comenta o Embaixador Global da HelpAge International, a maior e mais influente organização da sociedade civil para o envelhecimento no mundo com sede em Londres. “As pessoas mais velhas têm um papel fundamental nos períodos de pós crise, pois estabelecem a esperança e trazem consigo sabedoria e resiliência – vai passar!”.
Durante a sua gestão na OMS, conduziu 16 estudos sobre idosos em situações de emergência e crise como tsunamis, terremotos, enchentes, secas e guerras.
O que percebeu e pode ser aplicado nos tempos atuais é que mesmos sendo os longevos e claro, as crianças, os mais atingidos nestas situações, eram deles que surgiram as reações mais positivas. “A comunidade contava com um abraço, uma palavra de alento, o caminho para enxergar a luz no final do túnel. Eram deles as vozes que uniam as pessoas e agora, além de não estarem sendo ouvidos, são estigmatizados com o carimbo do grupo de risco”.
Kalache é contra o chamado isolamento vertical. Com uma vasta carreira internacional onde atua como consultor em projetos na Europa, América Latina, Oriente Médio, Ásia – principalmente Austrália, país onde mora alguns meses por ano, acha que a proposta é uma “jabuticaba” que só poderia ter sido aventada no Brasil.
Para evitar um gerontocídio seja com a morte pela Covid-19 e de outras doenças que não estão sendo devidamente tratadas, seja com o aumento do preconceito que já é bem arraigado em nossa sociedade, a saída é a confiança. “Vivemos em um mundo conectado. Dependemos dos mais velhos para nos guiar e dos jovens para nos fortalecer, embora exista o medo e a discriminação. Só podemos vencer essa crise com decência e confiando uns nos outros, senão todos afundamos como o Baetau Mouche”, vaticina trazendo a memória do naufrágio do barco que afundou na noite de réveillon de 1988, no mar de Copacabana. Olha aí, a Princesinha, hoje a Rainha do Mar, mais uma vez.
Compartilhe esse conteúdo
Artigos recentes

