A velhice é um conceito inventado que prejudica a todos – parte II

Maturi • set. 26, 2019

Os produtos para idosos reforçam uma falsa imagem de passivos e frágeis


Produtos criam estereótipos


Uma das maneiras mais óbvias que a narrativa da velhice – construída nos séculos XIX e XX -, influencia até hoje produtos para pessoas idosas que caem na bipolaridade carente/consumista são: incentivo aos exercícios físicos, novos medicamentos e aplicativos para lembrar a hora dos remédios, por um lado, e navios de cruzeiro, viagens internacionais e compras em Miami, por outro.


Há mais na vida do que as coisas que compramos. E, no entanto, há boas razões para acreditar que a chave para uma velhice melhor, mais longa e mais sustentável possa estar apenas em produtos melhores, especialmente se definirmos amplamente “produto”: como tudo o que uma sociedade constrói para as pessoas, de gadgets eletrônicos a alimentos funcionais passando pela infraestrutura de transporte.


Vejamos os aplicativos de mensagem de texto: originalmente anunciados para adolescentes tem sido uma dádiva dos deuses para os surdos. Ajudas técnicas oferecem soluções maiores do que as necessidades básicas das pessoas com deficiência, incluindo ainda as necessidades das pessoas mais velhas.


O controle remoto para abrir o portão de garagens é um bom exemplo: foi projetado para auxiliar no levantamento de portas pesadas. Hoje, são atraente comodidade, e um item de segurança importante, para todas as pessoas incluindo os idosos.


O campo nascente dos equipamentos para “ouvidos” – fones capazes de traduzir línguas em tempo real ou aumento de certos sons ambientais – podem finalmente tirar o estigma dos aparelhos auditivos. Ainda mais importante do que aquilo que os produtos fazem são as narrativas do que eles dizem fazer.


Poderíamos escrever uma centena de artigos exaltando as virtudes dos idosos, mas qualquer efeito positivo que eles tenham na percepção do público seria superado em muito por um único produto infantilizante nas prateleiras das lojas. Quando uma empresa produz algo que trata as pessoas mais velhas como um problema a ser resolvido, todos recebem a mensagem negativa imediatamente.


Os produtos perpetuaram a narrativa redutiva da velhice em um ciclo vicioso que dura décadas. Vejam como funciona: produtos dirigidos às pessoas mais velhas reforçam uma imagem de idosos como consumidores passivos na mente do público; então, quando uma pessoa mais velha se candidata a um emprego, ela tem que lutar contra esse senso comum que ela, uma consumidora por natureza, não pertence a este grupo passivo, e portanto, ela poderá ser ativa no cargo que concorre.


Como mudar nosso pensamento


Temos dificuldades em aceitar que o mercado lança produtos que não condizem com a realidade e nem com a necessidade dos idosos e, que isto, só alimentará os mitos do que seja o envelhecimento e a velhice. E aí é que reside nossa grande dificuldade.


A desigualdade de renda e as desigualdades sociais se cruzam com o envelhecimento de maneiras diferentes e preocupantes. Na Europa e Américas, os mais ricos e brancos têm maior probabilidade de estarem melhor preparados financeiramente para a aposentadoria, além de terem condições de serem mais saudáveis ​​e viverem mais.


Mudar a forma de pensarmos sobre os idosos, e sobre os produtos que eles necessitam, não resolverá as desigualdades, mas pode – pelo menos – tornar menos frequente a demissão de alguns idosos e ajudar outros a encontrar empregos com melhores salários.


Por outro lado, criar uma novo conceito para a “velhice”, de um período de passividade para um marcado por novas atividades, certamente, ajudará na visão que se tem dos adultos de meia-idade. Quando falamos em mudar o significado do terço final (ou mais) da vida, ainda, não sabemos das consequências que terão nos estágios iniciais.


Talvez a promessa de um futuro melhor não importe muito para as pessoas de 20, 30 e 40 anos. O que podemos perguntar é se uma nova imagem e mais realista da velhice pode motivar os trabalhadores mais jovens, e os de meio de carreira, a economizar mais para o futuro e, também, levá-los a exigir mais benefícios dos empregadores para uma melhor aposentadoria. Pela primeira vez, eles podem encontrar-se economizando não para uma pessoa idosa hipotética, mas para uma versão melhor de si mesmos.


Os tecnólogos, especialmente os fabricantes de produtos de consumo, terão uma forte influência sobre como viveremos amanhã. Ao tratar os idosos não como um mercado periférico e auxiliar, mas como um núcleo importante, o setor de tecnologia pode contribuir para criar novo conceito de velhice e envelhecimento.


Pedir aos jovens designers que se envolvam com os consumidores mais velhos é um bom começo, mas não é suficiente para lhes dar uma verdadeira visão dos desejos dos consumidores mais velhos. Felizmente, existe uma rota mais simples: contratar designers mais velhos. É preciso pensarmos seriamente em termos trabalhadores idosos construindo conhecimento ao lado de jovens.



O envelhecimento global pode ser inevitável, mas a velhice, como a conhecemos, não é. É algo que inventamos. Agora, cabe a nós refazê-lo.


Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 12 abr., 2024
Alguns anos atrás, começamos a provocar o mercado com a seguinte pergunta: “Por que não tropicalizar a comemoração do Dia Europeu da Solidariedade e Cooperação entre Gerações (29 de abril)?” Agora, chegou o momento da ação: convocar as empresas que pautam suas ações de ESG no calendário da Diversidade, direcionado pelas datas comemorativas, a instituir um período para ter como “o mês de Gerações”. As datas comemorativas são celebradas porque carregam um contexto histórico e cultural significativo. Com a consolidação dos dias e meses através do calendário, tornou-se natural celebrar o passar do tempo. No entanto, mais importante do que apenas marcar essas datas, é refletir sobre o seu significado profundo… Realizar ações apenas em datas específicas do calendário de diversidade não torna uma empresa verdadeiramente diversa, equitativa e inclusiva. Contudo, integrar ações nessas datas também garante uma comunicação coesa de que a empresa está comprometida com a promoção de uma cultura inclusiva para todas as pessoas. A dica é de ouro: você tem duas oportunidades excelentes para isso! - Abril : Por conta do Dia Europeu da Solidariedade e Cooperação entre Gerações (29 de abril), que pode servir como uma excelente oportunidade para iniciar discussões e projetos focados na integração intergeracional. - Outubro : Este mês é marcado por duas datas significativas que tratam da intergeracionalidade: o Dia Internacional da Pessoa Idosa (1º de outubro) e o Dia das Crianças (12 de outubro), além do Dia da Menopausa (18 de outubro). Inserção: Reflexão sobre Dados e Estatísticas Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a população mundial de pessoas com 60 anos ou mais está projetada para dobrar de 12% para 22% entre 2015 e 2050. Isso destaca a necessidade urgente de políticas e práticas que não apenas acomodem, mas também integrem esses indivíduos na força de trabalho. Quando falamos de 50+, no Brasil, segundo o IBGE, já são mais de 56 milhões de pessoas (censo 2022), ou seja, 27% da população atual do país. Em 2040, a FGV estima que metade da força de trabalho do Brasil já seja 50+. Queremos ajudar e encorajar as organizações a refletirem sobre suas políticas e práticas de recrutamento, desenvolvimento e retenção de talentos, garantindo que estejam abertas a todas as idades e que valorizem a diversidade geracional. É possível criar um futuro onde a colaboração entre gerações não seja apenas uma ideia, mas sim uma realidade nos diferentes ambientes de trabalho. Portanto, vamos celebrar o Mês da Integração Intergeracional como um catalisador para a promoção dessa importante causa.
Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
Share by: