A luta continua: velhice não é doença

Regiane Bochichi • 10 de julho de 2021

Discussão ganhou evidência há um mês por causa da mudança do termo “velhice” que substitui “senilidade” na nova CID que entra em vigor em 2022.


Tedros Adhanom Ghebreyesus se tornou o rosto da luta global contra a covid. O diretor geral da OMS não tem medido esforços para aplacar a doença que já está batendo 200 milhões de casos e 4 milhões de mortos pelo mundo.


Com 55 anos, sendo um maturi, há mais de um mês se vê cercado por uma questão que está mobilizando a comunidade científica e a sociedade civil: a denominação da velhice como doença!


A discussão começou com a revelação do atestado de óbito do duque de Edimburgo. marido da Rainha Elizabeth II. Segundo o jornal Daily Telegraph, ele morreu de ‘velhice’.


O certificado foi assinado pelo médico da família real, Sir Huw Thomas. De acordo com a publicação, a descrição é aceita se o paciente tiver mais de 80 anos e se o médico ter cuidado pessoalmente do paciente por um longo período, observando um declínio gradual de seu estado de saúde.


Para normatizar diagnósticos, nomes de doenças, sintomas, existe um documento conhecido como CID – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde que existe desde 1900.


Atualmente está em vigor a sua décima edição, mas a CID 11 está sendo elaborada desde 2015 e se encontra em fase de ajustes.


É nela que entrará o código MG2A, que se refere à velhice. A nova versão passa a valer em janeiro. O código CID é mundialmente usado por médicos e outros profissionais da saúde para determinar e classificar doenças, assim como sintomas, sinais, queixas, aspectos anormais, causas externas e circunstâncias sociais para doenças ou ferimentos.


Várias entidades e associações ligadas ao envelhecimento estão preocupados com o risco de se mascararem problemas de saúde reais para a chamada terceira idade, aumentar o preconceito contra idosos e interferir no tratamento e na pesquisa de problemas de saúde e na coleta de dados epidemiológicos.
na imagem aparece uma mulher tirando uma foto de uma senhora madura, porém, na tela do celular aparece a foto de um bebê com chupeta na boca

“Vale ressaltar que o código proposto pela OMS se trata de um sintoma”, explica Carlos André Uehara, atual diretor de defesa profissional e até recentemente, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).


“O ponto é que pode causar uma enorme confusão e acabarmos tendo uma “epidemia” de morte por velhice aumentando o idadismo e prejudicando as políticas públicas de saúde voltadas para este grupo”.


No Brasil, cerca de 3/4 das mortes ocorrem a partir dos 60 anos, por doenças cardiovasculares, oncológicas e neurológicas, entre outras. E se tudo for resumido à velhice, há riscos de se faltar informação e investimento específicos para o tratamento destas doenças.


Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade e da Aliança Global de Centros Internacionais da Longevidade, tem usado sua rede de contatos para barrar a iniciativa. A Federação Internacional do Envelhecimento (IFA), a Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria e a HelpAge International também questionam a OMS sobre o assunto.


O epidemiologista destaca que não há um único biomarcador capaz de definir a categoria etária de uma pessoa. Dados sobre tireoide, colesterol e glicemia podem estar associados ao envelhecimento, mas não determinam quem é idoso.


“Eu vou morrer velho e não de velhice, mas de uma doença com nome e sobrenome”, comenta médico especializado no estudo do envelhecimento. Em diversas entrevistas e lives que tem participado, reafirma que “a doença não é o único destino das nossas velhices. Podemos “estar doente”, mas não sermos um “ser doente”, tão somente porque ficamos velhos. Embora haja uma fartíssima produção acadêmica enfocando doenças, decadências, perdas, incapacidades e dependências, numa massa crescente de pessoas acima de 60 anos, construindo narrativas a respeito de nossas velhices, insistimos que elas fazem parte da existência humana, desde que nascemos.”


Kalache diz que a discussão também interessa à indústria farmacêutica. Quanto mais doenças e mortes forem classificadas dessa maneira, argumenta, maior o investimento na busca de “curas para velhice”.

“Já assistimos uma busca desenfreada pela juventude aqui no Brasil”, endossa o doutor Uehara, especialista em geriatria, clínica médica e medicina preventiva.


“Qualquer política de anti envelhecimento é antinatural. Ficamos idosos a cada momento e o único tratamento para isto é a morte precoce que ninguém quer”.


O posicionamento oficial da SBGG entende a velhice como mais uma fase da vida e é absolutamente contra a nova classificação.


O órgão está criando uma comissão para discutir o assunto e produzir um dossiê com os conceitos da velhice e a importância de não ocorrer esse retrocesso, principalmente pelo incentivo ao etarismo. O documento será levado a parlamentares para que possam entender a questão e encampar os pedidos de revisão.


Aliás, a própria OMS já se mostrou aberta a ouvir as reivindicações apesar de o líder da equipe de classificação de terminologias e padrões da entidade, Robert Jakob, afirmar que a inclusão de velhice não significa torná-la uma doença e sim uma condição.


Ele classifica a discussão como um “mal-entendido”: “O rótulo “velhice” substitui “senilidade”, usado na CID-10. A decisão resultou de discussões que apontavam para a conotação cada vez mais negativa de “senilidade” nos últimos 30 anos.”


Para o engenheiro biomédico e PhD em Gestão de Saúde, Norton Ricardo Ramos de Mello, autor do livro Senior Living, essa possibilidade de mudança traz impactos gigantescos nas relações jurídicas, sociais e trabalhistas.


“Não há sequer um aspecto positivo em tratar velhice como doença. Hoje trabalhamos com o conceito de longevidade e não de velhice, já pensando na qualidade de vida dos cidadãos com mais de 60 anos”, argumenta em artigo na revista News.


“Se velhice depende da faixa etária, somos velhas e velhos a partir dos 60 no Brasil. Onde fica a longevidade que conquistamos, com qualidade de vida e novas possibilidades e experiências após os 60 anos? Seremos “doentes” por 10, 20, 30 ou 40 anos.”


A mobilização deve continuar até que medidas efetivas sejam tomadas. Entidades fora do circuito médico e a sociedade continuam se posicionando.


Existe um abaixo-assinado on-line para a participação e um campanha nas redes sociais com a divulgação da #velhicenãoédoença. Até o Papa Francisco será acionado para tomar conhecimento e se tornar um embaixador da causa. O objetivo final é contornar o problema e corrigir a rota. Não está na hora de baixar a guarda!

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