O futuro do trabalho será inventar o próprio emprego

Maturi • mai. 19, 2017

Assim como a internet levou três décadas para sair das universidades e se espalhar pelo mundo, mudando tudo ao seu redor, a nova fronteira tecnológica já começou sua revolução silenciosa.


E promete substituir parte dos cérebros humanos, da mesma forma como a Revolução Industrial substituiu os músculos. Um exemplo é a inteligência artificial de Watson, que a IBM apresentou em 2007 como um supercomputador capaz de aprender e conversar de igual para igual com humanos para em breve substituí-los em diversas tarefas, a começar pelo diagnóstico médico.


Ou as impressoras 4D em teste no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, onde pesquisadores imprimem objetos tridimensionais e depois observam enquanto a quarta dimensão – o tempo – assume o comando e os materiais programáveis se organizam automaticamente.


“Não sabemos se a inteligência artificial vai ou não se tornar um pesadelo da ficção científica, mas certamente terá impacto fundamental na natureza do trabalho”, avalia o filósofo americano Jerome Glenn, diretor-executivo e co-fundador do Projeto Millennium, organização sem fins lucrativos internacional dedicada a analisar e projetar cenários futuros.


Não confundir com o Instituto Millenium (Imil), entidade sem fins lucrativos ou vinculação político-partidária com sede no Rio de Janeiro, formada em 2005, por intelectuais e empresários brasileiros.


As interações entre inteligências artificiais e a proliferação da nanotecnologia, da robótica e da automação poderão produzir um cenário de desemprego sem precedentes, avalia Glenn, que há quarenta anos faz projeções para instituições que trabalham com a produção e a difusão de conhecimento, os think tanks.


Criado em 1996 a partir de uma iniciativa da Universidade das Nações Unidas e do Instituto Smithsonian, o Projeto Millennium tem o propósito de conectar instituições e indivíduos para analisar perspectivas e definir estratégias capazes de fazer frente aos desafios globais de longo prazo, influenciando transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas.


O projeto começou com duas dezenas de pensadores e hoje reúne cerca de 3.500 especialistas e profissionais de organizações, governos, universidades e empresas em 60 países.


No Brasil, o eixo está no Núcleo de Estudos do Futuro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NEF-PUC), grupo de pesquisa interdisciplinar que promoveu no fim de outubro um encontro para dar subsídios ao mais novo estudo do Projeto Millennium, sobre o Futuro do Trabalho e da Tecnologia em 2050.


O tema foi uma demanda dos próprios pesquisadores internacionais, tamanho o impacto esperado da automação sobre o mercado de trabalho nas próximas décadas. Os resultados, com propostas para enfrentar a escassez de empregos, podem servir como marco para compreender a mudança, mas também como agenda para melhorar o futuro.


Nesse exercício de antecipação, o Projeto Millennium se baseia na realidade atual e passada. “Nós nos apoiamos em pesquisas para saber quais as possibilidades em medicina, engenharia e tecnologia. Também olhamos para mudanças sociais e tendências, como o crescimento demográfico e as taxas de criminalidade e mortalidade”, exemplifica Glenn.


É uma conversa contínua e global que se dá ao redor do mundo, com informações numéricas e estatísticas sobre a última década e as experiências conduzidas nos principais laboratórios de pesquisa do mundo.


A partir desse mapeamento é possível chegar a conclusões sobre por que e como antecipar mudanças, e a uma lista com políticas para solucionar os desafios. Para isso são criados três cenários de futuro: o primeiro mantém o foco no ritmo atual de evolução, o segundo retrata um quadro mais sombrio e o terceiro projeta uma visão otimista.


O Projeto Millennium avalia o futuro a partir de 15 desafios globais, que vão desde o desenvolvimento sustentável e o equilíbrio entre crescimento populacional e acesso à água, alimento e energia, até igualdade de gênero e ameaças como o aquecimento global, o terrorismo e a convergência das tecnologias.


Dois anos atrás, a educação e a capacidade de aprendizado, que eram estratégias para enfrentar os demais gargalos, se transformaram em um desafio global. A justificativa está no estudo do cérebro, que Jerome Glenn compara à corrida armamentista do pós-guerra, com a ex-União Soviética e os Estados Unidos em lados opostos da disputa.


Isso porque a China anunciou sua entrada em uma grande pesquisa para entender a engenharia do cérebro humano e sua conexão com as máquinas.


União Europeia, Estados Unidos, Japão e Israel igualmente estudam os neurônios com o objetivo de controlar doenças mentais, mas também para nos tornar mais inteligentes.


Microsoft e Google também tentam criar cérebros artificiais. As aplicações são inúmeras. “Seremos integrados com a máquina, o que significa que podemos nos transformar em grandes gênios. Claro que isso traz ameaças, como a inteligência artificial assumindo o controle de sua criação”, afirma o diretor do Projeto Millennium.


“Não tem jeito. O trabalho mental passará a ser cada vez mais operado pela máquina. Em vez de entrar em desespero, temos que nos reinventar e buscar trabalhar com mais propósito e sentido”, alerta a futurista Rosa Alegria, vice-presidente do NEF. Um dos sinais de mudança, segundo ela, veio dos altiplanos de Davos, em janeiro deste ano. Ainda sob o efeito da crise financeira de 2008, os líderes reunidos no Fórum Econômico Mundial trataram do tema “A quarta revolução industrial”.


Em debate, as implicações da falta de intermediários no mundo digital, o avanço da robótica e da economia compartilhada, que modificam o sistema de produção, distribuição e consumo.


Vivemos hoje um momento ímpar de ruptura. Primeiro por conta da velocidade da mudança. A segunda razão é a integração das coisas, cada vez maior.


Em terceiro lugar, não havia plataforma para comunicação global como a internet. Em quarto lugar está o avanço da inteligência artificial. De acordo com Rosa Alegria, a humanidade levou dezenas de milhares de anos para passar do sistema agrícola para o industrial.


Já a migração para a era da informação levou apenas dois séculos. A atual transição rumo à era pós-digital, ou da hiperconectividade, como ela chama, tem duração prevista de apenas 50 anos e deve concentrar uma quantidade de inovações avassaladora.


Pelas conclusões do Projeto Millennium, o desemprego estrutural no longo prazo é uma projeção do “business-as-usual”. “Criamos organismos que não existem na natureza e nos próximos anos haverá muito mais disso. Já ensinamos o Facebook quem somos e do que gostamos, mas isso ainda é primitivo. Imagine criar um avatar com sua personalidade, ensiná-lo sobre seus interesses e programá-lo para buscar oportunidades enquanto você dorme”, afirma Glenn.


O filósofo revelou que recebeu com surpresa o e-mail de um amigo contando que o banco espanhol BBVA contratou para chefe de tecnologia um profissional com doutorado em avatar. “A ideia é criar um sistema no qual as pessoas possam criar seu avatar e ensiná-lo a investir. A mudança já começou”, diz.


Mesmo no melhor dos cenários desenhados pelo Projeto Millennium, não haverá trabalho para todos. A tendência, avalia Glenn, é cada um inventar seu próprio emprego, que dependerá da auto-realização.


Estima-se que em 2050 seremos 9 bilhões de pessoas, mas a força de trabalho deve ficar em 6 bilhões, sendo a metade desse universo de trabalhadores autônomos. Em todos os cenários de futuro esquadrinhados pelo Projeto Millennium haverá menos vagas. “É hora de dizer a verdade àqueles que não terão emprego: reinventem-se, vocês estão livres”, diz Glenn. Se você faz o que gosta, não há razão para aposentadoria, ele afirma.


“Com a evolução da tecnologia da informação, cada um de nós está no centro de um universo com 3 bilhões de pessoas, o que abre perspectivas enormes de trabalho por conta própria”, aposta Glenn. Para onde quer que se olhe, a integração e a mudança são reais. À medida que as coisas se tornam mais complexas, as velhas regras não se aplicam. Por isso, é importante entender a transição para uma sociedade autossuficiente, que tome a iniciativa de gerar sua própria renda. “Se você pode ganhar a vida sendo você mesmo, o que tem de errado? Será que as pessoas querem trabalhar fazendo a mesma coisa todo dia?”, ele questiona. Não é o melhor uso que se pode fazer da mente humana, conclui.

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