Troco vida tranquila em sítio por trabalho duro em empresa

Renato Bernhoeft • mar. 20, 2019

 O jornal nem existe mais, mas o problema segue sendo super-atual. Veja este anúncio publicado por um executivo na Gazeta Mercantil em 1982:

“Tenho 61 anos, independência econômica e uma existência sossegada. Sossegada demais. Cheguei à conclusão que sítio é ótimo nos fins de semana. Nos outros dias só o trabalho pode completar a minha vida. Claro, há os que não concordam comigo. Talvez porque não tenham uma gratificante experiência de 40 anos, como a minha. Ou a disposição de 20 anos que eu sinto. A verdade é que eu pretendo embarcar, com toda a minha bagagem, numa empresa que acredite num homem de minha idade. Um homem, inclusive, mais jovem que Reagan, Brejnev, João XXIII e tantos outros que estão na ativa. Sou engenheiro e administrador de empresas. Dos meus 40 anos de experiência, 35 foram vividos num grande grupo multinacional. Ali minha carreira ascendente culminou no cargo de presidente executivo de uma de suas empresas com 3.500 funcionários. Posso fornecer currículo detalhado e estou à disposição para contatos pessoais. Cartas para este jornal dirigidas à “D.Volta”.

Quantos não terão sido os sonhos e planos deste alto executivo quando programava sua aposentadoria tranquila no sítio? Essas “fantasias” se desfizeram muito rapidamente quando um indivíduo produtivo, ativo, a pleno vapor, se viu diante de uma nova realidade totalmente inesperada e para a qual não foi preparado.


Claro que sempre vamos encontrar pessoas que nunca deram ao trabalho o status que esse engenheiro dava, mas qualquer um que tenha tido uma carreira ativa e produtiva ao longo de 40 anos vai experimentar um choque com a vida pacata de um sítio dia após dia.


Veja que pesquisas feitas em países desenvolvidos apontam três fatores decisivos para o sucesso de um processo de aposentadoria, de afastamento de um local que marcou sua vida pelos últimos 30 ou 40 anos:


  • Tranquilidade financeira
  • Educação (no sentido mais amplo da palavra, envolvendo aspectos culturais, intelectuais e capacidade para desfrutar)
  • E saúde


Quando estes fatores estão contemplados é muito provável que o indivíduo seja relativamente ativo e encontre satisfações nas suas atividades. Evidentemente não falamos apenas de atividades físicas, mas reflexão, recordações, contatos, diálogo, leituras e relacionamentos.


Assim, o aspecto referente a saúde parece claro, pois qualquer disfunção de caráter biológico pode dificultar uma satisfação maior.


Mas é interessante destacar que o aspecto intelectual (a educação no sentido mais amplo e estado permanente) é de grande importância e está diretamente relacionado à capacidade do indivíduo de “aprender a desaprender” os modelos que marcaram sua vida até a aposentadoria. E que não servem mais para o futuro.


Com 61 anos será muito tarde para aprender? Pesquisas feitas na França, Inglaterra e Estados Unidos mostram que a capacidade de uma pessoa para aprender depende da experiência educacional que ela teve nas fases de vida anteriores.


Assim, aqueles que estiveram sempre envolvidos em processos constantes de aprendizagem terão maior facilidade em reaprender na aposentadoria.


Isso mostra que uma das grandes deficiências de nosso sistema educacional está no fato de que as pessoas não são educadas para aprender por meio da sua própria vida. Equivocadamente, as estruturas de ensino partem sempre de um esquema onde busca-se um conceito para fixar uma prática.


Isso resulta em que são raras as pessoas que examinam a sua prática para extrair dela alguns conceitos e com isto manter um processo de renovação permanente.


Ou seja: aprender com os erros e com os acertos. Esta dificuldade pode ser agravada pela rápida velocidade das mudanças tecnológicas e seu impacto sobre as pessoas. Muitas destas mudanças tem ocorrido numa velocidade maior do que a capacidade dos indivíduos de promoverem mudanças comportamentais.


Assim, quando olhamos todo este quadro dentro da realidade brasileira, devemos tomar maiores cuidados. Isso porque não podemos esquecer as profundas diferenças culturais que existem entre nós e os outros países.


Enquanto na Europa e Estados Unidos a participação ativa na comunidade é um traço comum na vida das pessoas ao longo das diferentes etapas da vida, no Brasil existem estímulos muito maiores para o isolamento (políticos, econômicos, sociais e mercadológicos).


Isto quer dizer que o encaminhamento de muitas dessas pessoas para uma atividade altruísta ou comunitária não se dará com facilidade e não será encarada como uma opção para a aposentadoria.


Por isso, os caminhos precisam ser pesquisados com base em nossa própria realidade, pois nesta área não se poderá incidir no erro, já cometido no passado, de querer simplesmente importar modelos culturais que foram sucesso em outros sistemas de valores ou ideológicos.


Também não é assunto que deverá ser encarado como modismo. Qualquer atuação que vise facilitar o processo de preparo para a aposentadoria deve ser cuidadosa e multidisciplinar. Isso porque está centrada na orientação para o autodesenvolvimento.


E deve, sim, ser estimulada pelas empresas que têm em seus quadros profissionais a caminho da aposentadoria e que podem estar se iludindo com uma vida tranquila em um sítio.



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