Quem cuida de nossos idosos com demência

Walter Alves • set. 15, 2018

No interior da Holanda, a 20 km de Amsterdã, os habitantes de um vilarejo morrerão dentro de dois anos. As 180 pessoas que vivem por lá, todos mais de 80 anos, têm algum tipo de demência em estágio avançado.


Conhecida como a Vila da Demência, Hogeweyk foi fundada, para moradia de idosos com demência e alguma autonomia. Eloy van Hal, consultor sênior de gerenciamento do vilarejo informa que foi fundamental a mudança do olhar médico para o social, para o que as pessoas ainda podem fazer, dando ênfase na saúde e não na doença. “Elas morrerão, em média, dentro de dois anos, mas se você as tranca em um hospital, aumenta o nível de estresse, e elas são incapazes de fazer o que ainda conseguiriam”, diz.


A expectativa de vida no país (80 anos) é uma das mais altas na Europa, atrás apenas da Suécia (80,6) e Espanha (80,5). Em 2040 crescerá 6 anos, atingindo os 86.


Quando pensaram em como seria o ambiente, abandonaram de imediato a atmosfera de um hospital. Concluíram que teria de ter casas com cozinha, quarto, banheiro e porta da frente com acesso à rua onde transitam outros vizinhos. Casas de repouso foram transformadas em um bairro com casas e ruas normais, mas com suporte de médicos e enfermeiros que pessoas com demência severa precisam.


Van Hal se refere aos moradores como residentes, pois os considera pacientes somente no momento da medicação. “Se falarmos o tempo todo em pacientes, colocamos foco na doença em vez de na pessoa, e elas vão se sentir doentes”.


No início, em 2009, o Hogeweyk tinha 23 casas com seis pessoas cada uma. Hoje são 180 residentes e outros 270 funcionários (médicos, enfermeiros, cuidadores, garçons e vendedores em lojas). Os supermercados, o cinema, os bares e restaurante proporcionam aos moradores uma vida quase normal.


E o custo do serviço? Com tantos funcionários deve ser mais caro que o de uma clínica. Van Hal diz que os custos para manter Hogeweyk são os mesmos que os de uma casa de repouso ou asilo tradicional da Holanda. A diferença é que os gastos são organizados de maneira distinta.


Para manter o local anualmente, o governo aporta € 17,8 milhões, enquanto organizações e doadores entram com € 1,5 milhão. O custo mensal de cada residente é de € 6,5 mil. De acordo com a renda mensal as famílias pagam de € 150 a € 2,3 mil.


Em 2018, o “Dutch Public Health Foresight” publicou um estudo dizendo que em 2040 o número de pessoas com algum tipo de demência irá de 14 mil para 40 mil. Desde que surgiu, há quase dez anos, o Hogeweyk vem inspirando iniciativas semelhantes em outros países como Itália, Canadá, Irlanda e França.


Com o envelhecimento generalizado da população mundial, a discussão sobre como envelhecer se faz importante não apenas na Holanda. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que hoje existam 36 milhões de idosos com demência no mundo. Em 2050, idosos com demência serão 152 milhões.


No Brasil, o debate em torno dessa economia do cuidado acontece, mas de modo restrito e muito devagar, mesmo que em 2050 o número de idosos passará dos atuais 10% para 30% da população.


A especialista do Ipea em demografia com ênfase em envelhecimento populacional, Ana Amélia Camarano, lembra que em nosso País a primeira opção para o cuidado de idosos com demência ainda é a família e a segunda são os asilos, as chamadas ILPIs – instituições de longa permanência do idoso.


Segundo o Ipea, 65,2% das ILPIs são filantrópicas, 28,2% são privadas e 6,6% são públicas. Os residentes recebem moradia, alimentação e vestuário. Dois terços delas têm visitas médicas regulares. Nas instituições públicas, o gasto médio per capita é de R$ 909,92, enquanto nas privadas e filantrópicas sem fins lucrativos os custos por pessoa são de R$ 738,18 e de R$ 724,52, respectivamente.


Peter Sherlock-Lloyd, da University of East Anglia, em Norwich, Reino Unido, estudioso de casos do Brasil, Argentina, África do Sul e Tailândia, afirma que nossas ILPIs não estão preparadas para receber idosos com demência em estágio avançado. Na opinião dele, faltam no Brasil tanto políticas públicas quanto conscientização sobre um problema que não é apenas de saúde, mas também social e econômico.


Lloyd destaca o equívoco de considerar a família como cuidadora uma opção barata, pois os custos sempre recairão sobre alguém. “Os cuidados sempre têm custos, e é preciso escolher sobre quem recairão. Se será sobre a pessoa com necessidades de cuidados não satisfeitos, que morrerá em breve por isso. Se será sobre a cuidadora que é explorada e não tem o apoio que precisaria. Ou se vai ser um custo para a sociedade, que terá de pagar mais por intervenções e serviços médicos, que poderiam ser evitados”, diz.


Ana Amélia afirma que no Brasil se investe muito mais em políticas de envelhecimento ativo e deixa de lado a chamada “velhice dependente”. “O olhar para essa velhice frágil deveria ter mais alternativas de cuidado, ou seja, investir em ILPIs de qualidade, treinamento do cuidador ou dar suporte para a família cuidar. A nossa legislação fala que a família é a principal responsável pelo cuidado do idoso, mas o Estado não faz nada para ajudá-la a cuidar”, diz.

Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
27 fev., 2024
Entre escolhas e redescobertas, a jornada de transformação da vida pela escrita aos 55
Share by: