“Os maturis tem um papel fundamental no pós crise”

Regiane Bochichi • jun. 08, 2020

 A afirmação é do médico Alexandre Kalache uma sumidade quando o tema é envelhecimento.

O Hospital São Lucas está localizado em Copacabana.


O bairro é onde se concentra a maior população de idosos do Rio de Janeiro Foi lá, em 1945 que nasceu Alexandre Kalache, quando o lugar ainda era apenas uma maternidade. “Devo acabar meus dias, onde comecei – afinal o São Lucas é hoje virtualmente um hospital geriátrico!”, brinca o médico que não por acaso se tornou um dos maiores experts em envelhecimento do mundo e é um dos convidados do MaturiFest 2020, o primeiro Festival de Trabalho e Empreendedorismo 50+ ONLINE do Brasil, que acontecerá de 06 a 09 de julho


Morador da avenida Atlântica quando está no Brasil dirigindo o Centro Internacional da Longevidade, descobriu cedo o valor do contato dos maduros.


A mãe, com 102 anos, mesmo com o avanço do Alzheimer mantém a alegria e a força que o influenciaram para a escolha da profissão.


Na adolescência, assumiu o papel de cuidador da avó com câncer que veio morar com a família. “Isso me despertou para a importância de proteger os mais velhos e lá na frente foi decisivo na escolha da minha especialização. A profissão estava predeterminada pela família: eu poderia fazer tudo o que eu quisesse…desde que fosse medicina”, relembra sorrindo.


Aos 29 anos, foi para o Reino Unido fazer o mestrado em Medicina Social em Londres engatilhando o doutorado em Epidemiologia em Oxford.


Depois de seu trabalho acadêmico, após o mestrado, fundou o Departamento de Epidemiologia do Envelhecimento da London School of Hygiene and Tropical Medicine, a mais importante Escola de Saúde Pública da Inglaterra, onde também lecionou de 1984 a 1994.


São 45 anos dedicados a estudar, formular, ensinar, debater, políticas e ações para o bem envelhecer. Faz parte de inúmeros conselhos e entidades voltadas para o direito das pessoas idosas no Brasil e fora.


De 1995 a 2008, Kalache dirigiu o programa global de envelhecimento da OMS. Dentre muitas outras iniciativas que perduram até hoje, liderou o processo de elaboração da Política de Envelhecimento Ativo e do projeto Cidade Amiga do Idoso.


E de novo Copacabana serviu como inspiração, visto que 30% dos moradores do bairro há anos tem mais de 60 anos, segundo dados do IBGE. Em 2005, quando fez a conferência inaugural do Congresso Internacional de Gerontologia, no Rio Centro, perguntou aos presentes no plenário repleto “o que lhes vem a cabeça quando falo a palavra “Copacabana?”.


As mãos se ergueram quando sugeri praia, calçadão, bossa nova, carnaval, mulher bonita, mas ninguém pensou em idosos. A velhice torna a pessoas invisíveis e garanto, que envelhecer é a melhor coisa que pode acontecer ao ser humano…todos sabem que a outra opção é a morte precoce”, afirma.


Para preparar a palestra, onde haveria uma audiência de milhares de participantes vindos de vários países, organizou um estudo informal com grupos focais de moradores idosos de Copacabana.


Com base nele, amarrou a metodologia e partiu para estudos em paralelo em 35 cidades mundo afora. A partir dos resultados, lançou, em 2007, o Guia da OMS para as Cidades Amigas dos Idosos, abordando áreas como transporte, moradia, participação social, acesso a serviços, trabalho, educação.


Hoje, mais de 2000 cidades adotaram o protocolo. No Brasil, apenas 6 cidades aderiram ao programa com o devido rigor. Muito pouco quando se lembra que entre 2011 e 2030, a proporção de idosos no País deve dobrar de 10% para 20%.


“Mas pelo menos aqui se tem a vantagem da uma Previdência universal, a grande maioria dos ‘idosos’ tem alguma renda e alguns, como os funcionários públicos viram aposentados ricos”, ressalta o membro do Conselho para Envelhecimento do Fórum Econômico Mundial.


Na crise do coronavírus, essa dependência econômica se tornou ainda mais evidente com o desemprego e a suspensão dos trabalhos informais. Os grisalhos acabaram se tornando o esteio de muitas famílias.


De acordo com uma pesquisa do IPEA, pessoas com 65 anos ou mais sustentam 19,3% dos domicílios do país. “Temos de protegê-los a qualquer custo, pois além da diminuição de renda, a morte deles representa a perda de quem cuida dos netos e presta apoio emocional para toda a família”, comenta o Embaixador Global da HelpAge International, a maior e mais influente organização da sociedade civil para o envelhecimento no mundo com sede em Londres. “As pessoas mais velhas têm um papel fundamental nos períodos de pós crise, pois estabelecem a esperança e trazem consigo sabedoria e resiliência – vai passar!”.


Durante a sua gestão na OMS, conduziu 16 estudos sobre idosos em situações de emergência e crise como tsunamis, terremotos, enchentes, secas e guerras.


O que percebeu e pode ser aplicado nos tempos atuais é que mesmos sendo os longevos e claro, as crianças, os mais atingidos nestas situações, eram deles que surgiram as reações mais positivas. “A comunidade contava com um abraço, uma palavra de alento, o caminho para enxergar a luz no final do túnel. Eram deles as vozes que uniam as pessoas e agora, além de não estarem sendo ouvidos, são estigmatizados com o carimbo do grupo de risco”.


Kalache é contra o chamado isolamento vertical. Com uma vasta carreira internacional onde atua como consultor em projetos na Europa, América Latina, Oriente Médio, Ásia – principalmente Austrália, país onde mora alguns meses por ano, acha que a proposta é uma “jabuticaba” que só poderia ter sido aventada no Brasil. 


Para evitar um gerontocídio seja com a morte pela Covid-19 e de outras doenças que não estão sendo devidamente tratadas, seja com o aumento do preconceito que já é bem arraigado em nossa sociedade, a saída é a confiança. “Vivemos em um mundo conectado. Dependemos dos mais velhos para nos guiar e dos jovens para nos fortalecer, embora exista o medo e a discriminação. Só podemos vencer essa crise com decência e confiando uns nos outros, senão todos afundamos como o Baetau Mouche”, vaticina trazendo a memória do naufrágio do barco que afundou na noite de réveillon de 1988, no mar de Copacabana. Olha aí, a Princesinha, hoje a Rainha do Mar, mais uma vez.


Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
27 fev., 2024
Entre escolhas e redescobertas, a jornada de transformação da vida pela escrita aos 55
Share by: