Pandemia aumentou as aflições dos 60+ no Brasil

Walter Alves • nov. 28, 2020

Vamos falar de uma triste realidade que nos afeta com a pandemia? O artigo abaixo que eu traduzi e atualizei, foi escrito pelo professor Alexandre Kalache, Presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, publicado no site do Fórum Econômico Mundial. Confira:


O Brasil é um epicentro global da pandemia de Covid-19. Até 26 de novembro, 171.500 pessoas morreram da doença, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde. Usando o modelo da Classificação Internacional de Doenças (CID), o coronavírus é hoje a principal causa de morte no país.


Muitas das vítimas são jovens, envelhecidos prematuramente por doenças que têm como raiz a pobreza, mas a maioria vem dos 31 milhões de brasileiros com mais de 60 anos.


Apesar da pequena quantidade de testes realizados, o número de casos confirmados no Brasil só é superado pelos EUA e pela Índia. Nenhum dos fatores que levaram a essa triste distinção de terceiro lugar é exclusivo do Brasil; é sua sinergia perversa, entretanto, que produziu esse resultado nada invejável.


A Covid-19 encontrou terreno fértil no Brasil. Por décadas, o País foi classificado entre as 10 sociedades mais desiguais do mundo.


De acordo com o Banco Mundial, quase metade da população brasileira vive na pobreza – com menos de US$ 5,50 por dia – ou está prestes a passar abaixo desta linha. Depois de alguma melhora nos primeiros 10 anos do século, a desigualdade de renda piora no Brasil desde 2016.


Nos quatro anos anteriores à Covid-19, 6,3 milhões de brasileiros – o equivalente à toda a população da Suíça – ingressaram nas fileiras dos pobres. Com a pandemia, o Banco Mundial prevê outros 7,2 milhões de novos pobres brasileiros somente em 2020.


Quase 50% da população não tem acesso a um sistema de esgoto adequado e 33 milhões têm apenas abastecimento irregular de água.


Grandes e multigeracionais famílias vivendo em espaços mínimos, transportes públicos sobrecarregados e empregos precários são a realidade para dezenas de milhões. Não é novidade que é alta a proporção de brasileiros de todas as idades vivendo com Doenças Não Transmissíveis (DNT) e deficiências.


homem palestra vestindo terno preto enquanto segura microfone

Essas desvantagens estruturais, que moldam a vida de brasileiros mais jovens, inevitavelmente produzem um efeito amplificado na vida adulta – uma desigualdade cumulativa que tem agravado enormemente a vulnerabilidade dos mais velhos.


Raça, gênero e sexualidade são fatores que contribuem enormemente para a piora deste quadro. A velhice para muitos brasileiros é o topo de uma história de vida de insegurança na saúde, na alimentação e no bem-estar. A Covid-19 não forjou desigualdades no Brasil – apenas as trouxe à luz.


Ainda se recuperando da recessão de 2015-16 e de novas contrações em 2019, a economia brasileira já estava na penúria antes da pandemia. Muitos dos 26 estados do País estavam insolventes e vários municípios são financeiramente insustentáveis.


Os orçamentos de saúde e educação foram cortados e a legislação federal de 2017 congelou todos os gastos sociais por 20 anos.


Nesse ínterim, o número de bilionários continuou aumentando. A capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS), do qual dependem 83% dos idosos – proporção ainda maior para os afro-brasileiros -, já estava significativamente comprometida.


Já se disse que a pandemia da Covid-19 é uma crise de saúde que se transformou em crise econômica e social. No Brasil, pode ser mais correto dizer que uma crise econômica e social se transformou numa crise de saúde. No mais, não é a primeira vez que isso acontece e é improvável que seja a última.


Apesar da tentativa de alguns líderes políticos esconderem a realidade, saúde, economia e sociedade não são silos divisíveis. Nem a juventude e a velhice.


Não nos tornamos menos pessoas à medida que envelhecemos. Tornamo-nos mais da mesma pessoa. Em comum com alguns outros países, duas dicotomias falsas e particularmente virulentas surgiram no Brasil devastado pelo coronavírus.


A primeira é que há uma escolha a ser feita entre saúde e economia. A segunda é que há uma escolha a ser feita entre jovens e velhos. Foram as ações e inações políticas – históricas e atuais – que nos trouxeram a este ponto.


A principal ferramenta de saúde pública é a confiança – confiança nas instituições, confiança na mensagem e confiança em seus concidadãos para fazer a coisa certa.  O Brasil pode ser rico em commodities, mas a confiança é visivelmente escassa. A confiança nos órgãos públicos e políticos é bem baixa.


Os dogmas deixaram pouco espaço para a diligência científica. As oportunidades de instruir a população em saúde pública foram desperdiçadas.


Existe uma resistência à transparência e à responsabilidade. As autoridades federais têm minimizado sistematicamente o coronavírus; defenderam continuamente o modelo business-as-usual; e, assim, minimizaram sua responsabilidade de proteger a vida de todos os brasileiros e, em especial, dos mais velhos.


Os Conselhos do Idoso em todo o país, que outrora deram voz a milhões por meio de uma vasta rede nacional, foram desativados. O esquema do governo Brasil Amigo da Pessoa Idosa é amplamente ridicularizado.


Milhões das finanças públicas foram drenados pela corrupção; alegou-se que essa foi a razão pela qual apenas um dos sete hospitais de campanha construídos no Rio de Janeiro em resposta à Covid-19 funcionou.


O individualismo continua a proliferar numa época em que as únicas soluções são coletivas. Evidencia-se, no País todo, crescente aumento de abuso a idosos – incluindo o financeiro.


homem parado na janela com máscara

O preconceito etário em tempos normais produz resultados bastante negativos na saúde. Em tempos de crise como a pandemia, as repercussões são ainda mais terríveis.


Uma sociedade que é descuidada com sua população mais velha é uma sociedade que é descuidada com sua memória social e sua gente. Os idosos podem ser mais vulneráveis ​​em tempos de crise, mas também são mais resistentes.


Vários estudos revelam seu papel na recuperação das sociedades pós-crise. Para que o Brasil e outros países alcancem a resiliência diante do coronavírus, eles devem aprender a respeitar a dignidade, o valor e a cidadania plena das pessoas em todas as fases da vida.


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