Lidando com a situação atual: Esse desconforto que você sente é luto

Walter Alves • mai. 08, 2020

 

Num encontro virtual da equipe responsável pela edição da Harvard Business Review, os participantes conversavam sobre como se sentiam e como poderiam ajudar os leitores da revista. Uma das jornalistas disse que se sentia profundamente triste.


Cabeças assentiram em todas as janelas. Um dos presentes era David Kessler. Pedimos a ele ideias sobre como enfrentar esta situação. 


David Kessler é um dos maiores especialistas em luto no mundo. Ele escreveu juntamente com Elisabeth Kübler-Ross On Grief and Grieving: Finding the Meaning of Grief through the Five Stages of Loss (em tradução livre, Sobre o Luto e em Luto: Encontrando o Significado no Luto através das Cinco Fases). Seu novo livro acrescenta outra fase ao processo, Finding Meaning: The Sixth Stage of Grief (em tradução livre, Encontrando o Significado: a sexta fase do luto). Ele é, também, o fundador do www.grief.com.


Ele nos falou da importância de reconhecer a dor do luto, como lidar e como encontrar significado nela. 


HBR: As pessoas estão sentindo muitas coisas neste momento. É certo chamar este sentimento de luto?


Kessler: Sim, o sentimento é de uma série de dores diferentes. Sentimos que o mundo mudou. Sabemos que esta fase é temporária e percebemos que as coisas serão diferentes.


Assim como ir para o aeroporto é sempre diferente de antes de 11 de setembro. A perda da normalidade; o medo do pedágio econômico; a perda de conexões. Isso está nos atingindo e estamos sofrendo coletivamente. Não estamos acostumados ao sofrimento coletivo.


Você disse que estamos sentindo mais do que tristeza?


Sim, também estamos sentindo o luto antecipado que é o sentimento de incerteza sobre o que o futuro nos reserva e quando nos concentramos na morte. Sentimos isso quando alguém recebe um diagnóstico grave ou quando pensamos na possibilidade de perdermos nossos pais, por exemplo.


O luto antecipado é, também, a imaginação de um futuro catastrófico. Está chegando uma tempestade. Há algo ruim por aí. Com a presença de um vírus o sentimento é igual. Nossa mente primitiva sabe que algo ruim está acontecendo. Isso quebra nossa sensação de segurança. Sentimos a perda da segurança. Eu não acho que perdemos coletivamente nosso senso de segurança, o perdemos individualmente ou em grupos menores. 


O que as pessoas podem fazer para lidar com esse sofrimento?


Compreender as fases do luto é um bom começo. É preciso lembrar que as fases não são lineares e podem ocorrer em diversas ordens.


Não é um mapa, mas uma bússola para um mundo desconhecido. Há a negação: esse vírus não me afeta. Há a raiva: você está me fazendo ficar em casa e impedindo minhas atividades. Há a barganha: Ok, se eu me distanciar por duas semanas tudo ficará melhor, certo? Há a tristeza: não sei quanto tempo isso vai durar. E, finalmente, há a aceitação: está acontecendo e tenho que descobrir o que fazer com isto.


A aceitação é onde está o poder. Encontramos controle na aceitação. Posso lavar minhas mãos. Posso manter distância segura das pessoas. Posso aprender a trabalhar virtualmente.


Quando estamos de luto, há aquela dor física. Existem técnicas para tornar esta dor menos intensa?


Vamos voltar ao luto antecipado. Luto antecipado é doentio, é ansiedade. Nossa mente cria imagens. Meus pais estão ficando doentes. Vemos os piores cenários. É nossa mente sendo protetora.


A solução não é ignorar essas imagens ou tentar fazê-las desaparecer. O objetivo é encontrar equilíbrio nas coisas que está pensando. Se sentir que a pior imagem toma forma, pense na melhor imagem. Todos ficamos um pouco doentes e o mundo continua. Nem todo mundo que eu amo morrerá. Nenhum dos cenários deve ser ignorado, mas, também, nenhum deve dominar.


O luto antecipado é a mente no futuro imaginando o pior. Para se acalmar, retorne ao presente. Este será um conselho familiar para quem meditou ou praticou a atenção plena.


Perceba que, no momento presente, nada do que antecipou aconteceu. Neste momento, você está bem. Tem comida. Não está doente. Use seus sentidos e pense sobre suas sensações. A mesa está dura. O cobertor é macio. Percebo o ar entrando no meu nariz.


Tudo isso realmente funciona para atenuar um pouco essa dor. Você também pode pensar em deixar de lado o que não pode controlar. O que as pessoas estão fazendo está fora de seu controle. O que está em seu controle é ficar a um metro e meio delas e lavar as mãos. Concentre-se nisso.


Finalmente, é um bom momento para exercitar a compaixão. As pessoas terão diferentes níveis de medo e tristeza. Outro dia, um colega de trabalho ficou irritado comigo, pensei: essa pessoa não é assim; no entanto, é assim que ela está lidando com esta situação. Estou vendo o medo e a ansiedade nela. Sejamos pacientes. 


O que você pode dizer a alguém que leu tudo isso e ainda está se sentindo em profunda tristeza?


Continue tentando. Há algo de poderoso em ter este sentimento e comunica-lo. Isso nos ajuda a perceber o que está em nós. Ouvi de algumas pessoas: “Estou dizendo aos meus colegas de trabalho que estou tendo dificuldades” ou “Chorei ontem à noite”. Quando comunica, você sente que suas emoções se movem através de você. Elas precisam de movimento. É importante reconhecermos o que passamos. É importante poder sentir-se triste. Deixe-se sentir tristeza, medo ou raiva. Lutar contra isso não ajuda porque seu corpo está produzindo a sensação. Ao permitirmos perceber nossos sentimentos nos habilitaremos a ser protagonistas e não vítimas.

Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
27 fev., 2024
Entre escolhas e redescobertas, a jornada de transformação da vida pela escrita aos 55
Share by: