Lugar de mulher é onde ela quiser

Walter Alves • mar. 06, 2021

Lugar de mulher é onde ela quiser! A afirmação nessa frase pode nos parecer óbvia. Não é, infelizmente.


Nós, brancos de classe média e alta, que vivemos a infância nos anos 60 do século passado, pudemos vivenciar o movimento que nossas mães saíram de casa para trabalhar, o que nossas irmãs e irmãos não puderam presenciar na década anterior.


Sei que ao qualificar os brancos de classe média e alta irritarei uma parcela de leitoras e leitores, mas a diferenciação é necessária, pois a quase totalidade das mães negras, logo depois de saírem das senzalas, e irem para seus barracos, foram trabalhar para as patroas brancas para que, inclusive, elas pudessem libertar-se dos afazeres domésticos e, anos depois, iniciarem suas carreiras no comércio, nos serviços e na indústria.


O encaminhamento para tal e qual setor dependia do extrato social e, por consequência, da formação educacional a que estas mulheres brancas puderam ter. As mais bem formadas optavam pela educação ou comércio e as mais pobres pelas lides fabris.


Uma grande parcela das meninas da década de 60 puderam observar estes fenômenos e mudar as histórias de suas vidas.


Ao se tornarem donas de casa e mães quando foram trabalhar fora, seguindo a carreira possível ou aquela que escolheram, mas mesmo assim dependentes das empregadas domésticas para tomar conta de suas casas.


Envelheceram, portanto, dentro de outros contextos que suas mães, construindo as diferenças geracionais marcantes da contemporaneidade.


Não afirmo que estas diferenças chegam a ser opostas. Mesmo porque, em determinadas situações, as meninas, hoje, envelhecidas, repetiram suas mães em muitos aspectos como se não houvessem outros modelos e não conhecessem outros roteiros.


Nós homens, também passamos por processos parecidos, mas como este artigo tem seu foco nas mulheres pela evidência do Dia Internacional da Mulher, reflitamos sobre as mudanças que aconteceram nestes últimos 60 anos já referidos, mesmo que seja pela lavra de um homem.


Reconheço que a legitimidade das mulheres é maior que a minha para falar de si mesmas, fiquem à vontade para comentar nas redes sociais suas impressões e discordâncias.

post its coloridos com escritas em inglês exaltando o dia da mulher

Meu maior objetivo aqui é fomentar dúvidas que propiciem a reflexão sobre o passar do tempo em geral e para as mulheres em particular, enfim problematizar a vida, as artes e o conhecimento.


Em minha perspectiva, as mulheres souberam compreender quase à perfeição o projeto de dominação vigente a centenas – para não dizer milhares – de anos e o transformou em igualdade de oportunidades, o que não foi nada bom para aqueles que se privilegiaram das desigualdades estruturadas nas colunas da lógica dominante.


Ao reconhecer a singularidade das pessoas, sinto-me desconfortável em eleger uma modelo que sintetize o papel exercido pelas mulheres nos últimos 60 anos, mesmo assim, arrisco afirmar que as 60+ atuais ocupam posições na sociedade, nos negócios, no empreendedorismo, no trabalho e na família com um protagonismo jamais vivido.


E isto não é fruto da conformidade, da normatização e muito menos da ausência, souberam ser transgressivas, inovadoras, rebeldes e participarem da construção da sociedade plural que se avizinhava.


Mesmo enfrentando mais barreiras, mais preconceitos, mais discriminação, mais violência, mais estigmas, mais dificuldades que os homens, elas se impuseram expondo a crueldade da iniquidade e, a duras penas, transformaram as vidas de todos nós independente do gênero, orientação sexual, raça, condição física ou sensorial, origem, crença religiosa.


Por estas mudanças pessoais e transformações sociais que reconheço imenso valor nas mulheres 60+. Por isso muito me estranha e, considero como vozes do passado, aqueles e aquelas que ainda se sentem à vontade para propagar que algumas funções, alguns papéis e alguns lugares não podem ser ocupados pelas mulheres contrariando o título do artigo.


É certo que uma quantidade razoável de mulheres e homens se opõem à libertação, à diminuição da opressão sexista e às mudanças conjunturais e estruturais que vão acontecendo com a chegada dos novos tempos.


Estas contrariedades também nos fazem movimentar, criam dinamismo e nos permitem metaforizar nossa sociedade como corpos orgânicos que – quando saudáveis – são capazes de buscar e encontrar soluções para os problemas que nós mesmos criamos e que nos afligem. É possível que estas pessoas não foram educadas e criadas para a diversidade.


Mais do que anacronismo é o auto confinamento mental, espiritual e psicológico de onde elas e eles não conseguem se libertar provocando atraso social e econômico além de grande sofrimento pessoal naquelas que acordam diariamente para serem controladas, humilhadas, violentadas e até estupradas por maridos, filhos, avós e tios e, porque não, pelos homens que fazem vista grossa à situação fingindo que o problema não é de todos nós.


A admiração que tenho pelas mulheres vai muito além da propagação de uma efeméride. É o resultado de relacionamentos que tive, e tenho, com elas ao longo de minha existência.


Sou um privilegiado por encontrar mulheres que me propiciaram, na mesma medida, aprender, ensinar e com isto aprender mais ainda.


Que neste 8 de março de 2021, as mulheres recebam parabéns, flores, presentes, mensagens comemorativas, mas que nos demais dias deixem de ser controladas, humilhadas, violentadas e estupradas e passem a ser respeitadas em suas diferenças, valorizadas com o reconhecimento que – além da capacidade única de gestação – têm potência de vida para a recriação de suas próprias existências e, assim, serem fontes de rejuvenescimento espiritual, organização social, educação política e transformação cultural como todo ser humano tem o direito de ser.

Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
27 fev., 2024
Entre escolhas e redescobertas, a jornada de transformação da vida pela escrita aos 55
Share by: