A velhice não começa aos 60

Regiane Bochichi • jun. 15, 2021

Em entrevista ao blog da Maturi, a geriatra Karla Giacomin fala sobre velhice, o papel do velho na sociedade, os preconceitos e o que se pode fazer para mudar este quadro.


O filho observa o pai se arrumando para uma festa. A mãe, aflita, pergunta por que ele está se trocando se não havia sido convidado. A reposta: “exatamente por isso que vou. Por desaforo”.


A estória contada pela médica geriatra, ponto focal do International Longevity Center no Brasil, Karla Giacomin, ilustra bem a necessidade dos mais velhos terem de lutar por mais espaços em um país que não respeita e pior, nega o envelhecimento.


“Estamos presos a ideia de que investimos em criança e gastamos como os idosos. Não percebemos que temos de olhar todos como seres humanos,” comenta a consultora da Organização Mundial de Saúde para Políticas Públicas e Envelhecimento.


Cada idade produz e contribui para a sociedade ao seu modo e tempo. A contribuição dos 60 mais não é só indispensável, é imprescindível para o nosso crescimento e manutenção da nossa ancestralidade e saberes”.


Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a tendência de envelhecimento da população vem se mantendo e o número de pessoas com mais de 60 anos no país já é superior ao de crianças com até 9 anos de idade.


Entre 2012 e 2019, ganhamos 7,5 milhões de novos idosos, o que demostra um aumento de 29,5% neste grupo etário. Mesmo com as estatísticas sempre em ritmo crescente ainda maior se comparado a outros países do mundo, o Estado e a sociedade não percebem e, consequentemente, não agem para mudar as políticas e comportamentos reforçando o preconceito etário.


Para a ex-presidente do Conselho Nacional de Direitos do Idoso (Gestão 2010-2012), o ponto crucial é nos encarregarmos da educação.


O efeito seria o de um dominó: melhorando os índices educacionais, aumenta o nível de emprego e renda, que resulta em uma melhor habitação, nutrição, qualidade de vida e até alimenta um sistema previdenciário que realmente funcione.


“Hoje, mesmo tendo um transporte público gratuito que possibilita o idoso a ir e vir, visitar um médico, encontrar amigos e familiares, os veículos não são acessíveis. Seus degraus são altos. Não há bancos dos pontos de ônibus e ninguém se importa”, ressalta. “Não reconhecemos que a velhice não tem volta. A única alternativa é morrer antes. E, sinceramente, isto nem deve passar pela nossa cabeça”.

maturis andando de bicicleta felizes. a mulher está de preto e segue com a bicicleta na frente. o homem, que vai atrás, também está de preto.

Leis não faltam!


A mais abrangente delas é o Estatuto do Idoso que trata de regulamentar os direitos e garantias ao idoso. Além disso, a Lei 10.741 de 2003 determina que a pessoa idosa desfrute de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana independente de sua idade com acesso à educação, cultura, esporte, lazer, preservação da saúde física e mental.


Vale lembrar que foi feita há 30 anos e que um idoso daquela época é diferente do de hoje. “Se o Estado não lhe protegeu até agora como cidadão, não vai começar tão cedo.


Por isso, temos de cuidar da nossa velhice desde que nascemos. Senão o resultado é que perdemos 60 anos de investimento”, alerta a doutora.


Segundo a Secretaria da Previdência Social, o Brasil tem hoje pouco mais de 19 milhões de aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Atualmente, o brasileiro se aposenta, em média, aos 58 anos e de cada três aposentados, dois ganham um salário mínimo.


Um estudo recente feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) aponta que mais de um terço das pessoas acima de 60 anos que já estão aposentadas continuam trabalhando.


A proporção é de 33,9%. Considerando os aposentados que têm entre 60 e 70 anos, o percentual dos que trabalham sobe para 42,3%.


A principal justificativa entre os que ainda trabalham é a necessidade de complementar a renda.

Diante deste quadro, a geriatra afirma que incluir a velhice na pauta dá trabalho.


”Sabe aquela pergunta que fazemos quando criança: O que você quer ser quando crescer? Na verdade, temos de saber o que queremos ser quando envelhecermos. Ao longo da vida ,temos de aprender a fazer este planejamento que consideramos uma perda de tempo”.


Além do ageísmo, fruto da história colonizadora do Brasil, assim como o racismo e o machismo, existem o preconceito dentro do preconceito pois há vários tipos de envelhecimentos: os quem trabalham, os que curtem as vida, os que cuidam dos netos, os que viajam, os saudáveis e o doentes.


“São formas diferentes de viver. Não podemos dividir os velhos entre vencedores e perdedores. Todos são vencedores: os que precisam de cuidados e os que correm maratonas. Não vamos esquecer que todos chegaremos à finitude”.


ILPIS


Uma outra questão inerente ao envelhecimento são as Instituições de Longa Permanência para Idosos, conhecidos como asilos ou casas de repouso, acabam sendo uma opção para aqueles que não há ninguém da família com que viver ou foram literalmente abandonados por ela.


Segundo Karla, no Brasil, entre 15 e 50% dos idosos têm alguma dificuldade para cuidar de si, mas menos de 1% deles vive em casas de acolhimento.


O país tem cerca de 5.500 ILPIs públicas, filantrópicas e credenciadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que abrigam aproximadamente 78 mil idosos “A chance de um velho pobre ficar dependente de cuidados é sete vezes maior que a de um velho não pobre”, diz médica.


Segundo ela, quase 60% das Instituições de Longa Permanência para Idosos estão na região Sudeste; 11% no Centro- Oeste, 12% no Nordeste, 17% no Sul, e apenas 2% no Norte.


No início da pandemia, percebeu que a falta de informação poderia ser ainda mais catastrófica em relação a morte e tratamento. Assumiu, então, mais tarefa, como coordenadora da Frente Nacional de Fortalecimento das ILPIs.


Rapidamente, montou uma rede com 1200 voluntários, produziu mais de 30 publicações com orientações sobre a covid-19 e faz, desde março do ano passado, live semanais sobre o tema.


Agora, está atuando em Brasília para implantar uma política de cuidado continuado a partir da visão da sociedade. “ É preciso que a sociedade se reconheça como velha, acolha os futuros velhos e lute pelos seus direitos na velhice”.


Confira os melhores momentos da live realizada no MaturiTalks com Mórris Litvak e Karla Giacomini: A velhice não começa aos 60:

Compartilhe esse conteúdo

Artigos recentes

Por Contato Maturi 20 mar., 2024
Ser mulher, para mim, é ter muita curiosidade sobre o que é ser homem. Eu sei o que é ter privilégios em um país tão desigual, sei o que é ser branca, ser pessoa sem deficiência e ter intactas as faculdades mentais. O único fator social privilegiado que não conheço é o de ser homem. Só me cabe imaginar. Imaginar o que é ter segurança ao sair de casa sem camisa, de short apertado sem medo da sombra, sem ficar olhando 360 graus para antecipar algum perigo à distância, não ser atacada por olhares invasivos. Como é que deve ser passar por um grupo de homens desconhecidos, juntos numa esquina, e não ter certeza que vão olhar para sua bunda? Como deve ser se juntar com amigos numa esquina à tarde e olhar ostensivamente para bundas que passam? Eu não sei como é sair de casa de dia, em um lugar tranquilo, com a plena segurança de que consegue se defender? Como deve ser nem ter essa preocupação diária. Ir para o trabalho sabendo que pode alcançar cargos de diretor, presidente, gerente, sem se preocupar com barreiras invisíveis e, por isso, intransponíveis. Como deve ser passar a juventude sem medo de engravidar? Não ter qualquer outro plano submetido à maternidade. Não ter ansiedade sobre a dor do parto, algo equivalente à sensação de 20 ossos quebrados todos de uma só vez? Não correr o risco de ter a vida e o corpo implacavelmente alterados por, no mínimo, um ano, independentemente de sua vontade. Algo que pode acontecer apenas porque a natureza quer e deve-se estar alerta aos seus desígnios, sem arbítrio sobre o corpo, a não ser que cometa um crime. Eu não quero dar a entender que a maternidade é ruim, eu adoro ser mãe e há mulheres tristes por não poderem ser. É que eu fico curiosa para saber o que é nem ter esse tipo de preocupação na vida, mensalmente. E esperar feliz a menstruação, algumas vezes acompanhada de dores equivalentes a um infarto. No caso, a hemorragia é externa e junta-se a ela a aflição com calças brancas, estoque de absorventes, datas de viagens à praia e atenção redobrada para não matar algum ser vivo. Fora agir de maneira a ninguém notar que isso tudo está acontecendo. O desejo não acaba com a idade, assim como a curiosidade. Será que a um homem acontece de, em quase toda interação com uma mulher desconhecida, avaliar se está ou não propondo intimidade por atos, palavras ou sinais? Vou dar um exemplo: será que um homem vai fazer as unhas e fica preocupado se a calça está apertada e a podóloga vai se sentir convidada a apalpar seu pênis? Será que um grupo de homens em viagem de carro, que precisem parar à noite em um posto de gasolina suspeito, depois de segurar por quilômetros o xixi, ficam com medo do frentista agarrá-los à força? É esse tipo de coisa que eu queria muito saber. Você pode dizer que, a essa altura da minha vida, eu já sei boa parte do que pergunto. Sim, mulheres da minha idade são objetos de pouca atenção, e a mesma natureza esfrega na nossa cara a indiferença. E é por esse motivo que nem posso saborear o entendimento, já que lido com toda a transformação de uma segunda adolescência. Ao contrário. O turbilhão hormonal acontece de novo, com alterações involuntárias desgastantes, no sentido exato da palavra. Ossos, articulações, cabelos, pele desgastados. Como deve ser a andropausa? Será que ela obriga o homem a se equilibrar entre a tristeza no olhar que vê no espelho e a desonrosa saudade do olhar de desejo dos outros? Não quero diminuir a tensão que envolve o papel dos homens na dança do acasalamento humano; mas será que esse jogo acaba para o homem do mesmo jeito que para a mulher? Porque para nós, antes do fim, o capitão do time te coloca no banco do nada. E você passa de artilheira para gandula, depois de cansar de ficar esperando alguém lhe dar bola. É muito melhor quando são eles que não dão mais conta de jogar e param, não antes de realizar uma última partida festiva com amigos convidados e mulheres na arquibancada, que ainda vão dizer que estão todos bem de cabelo branco. Toda esta minha curiosidade sem fim (diferente deste texto) fica, obviamente, dentro de uma limitação cisgênero e geracional. Pode ser que as jovens de agora não tenham nenhuma dessas perguntas, mas duvido que não tenham outras. E imagino que a mulher atual, com todas as suas manifestações e bandeiras, tenha ainda assim aguçada uma característica que, independentemente de ser um substantivo feminino, une os gêneros. Se existe algo realmente igualitário é a curiosidade.
Por Contato Maturi 15 mar., 2024
No mês em que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres em todo o mundo, é crucial lembrarmos que a jornada da mulher não tem um ponto final aos 40, 50, 60 anos ou mais. Pelo contrário, é uma jornada contínua de crescimento, aprendizado e contribuição, independentemente da idade. Na Maturi, reconhecemos a importância de valorizar e empoderar as mulheres maduras, que trazem consigo uma riqueza de experiência, sabedoria e habilidades únicas. Neste mês da mulher, queremos destacar o papel vital que as mulheres maduras desempenham no mercado de trabalho e a sua potência ainda pouco explorada nos diferentes ecossistemas profissionais. No entanto, quando se fala em Dia Internacional da Mulher, além dos eventos comemorativos ao longo do mês (#8M) pouco se discute sobre a intergeracionalidade das mulheres como um diferencial. Sabe por que? Um dos grandes motivos é a falta de repertório. A Maturi vem tropicalizando nos últimos anos ( saiba mais ) uma data relevante do mês de abril: o Dia Europeu de Solidariedade entre Gerações. É um mês pouco explorado no Calendário da Diversidade de forma geral e que tem total conexão com as estratégias de educar e letrar as pessoas sobre o tema. Qual é a contribuição dos diferentes grupos identitários e de diferentes faixas etárias no ambiente profissional? A diversidade geracional traz uma variedade de perspectivas, ideias e abordagens que enriquecem qualquer equipe ou empresa. Em um mundo em constante mudança, onde a tecnologia e as práticas de trabalho evoluem rapidamente, a colaboração entre as gerações é fator crítico de sucesso. As mulheres maduras têm um papel fundamental a desempenhar nesse processo de colaboração, oferecendo não apenas sua experiência profissional, mas também sua capacidade de adaptação e resiliência. No entanto, ainda há desafios a serem superados. Muitas vezes, as mulheres maduras enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho do que homens 50+. Um exemplo disso é que, segundo o estudo sobre Etarismo que a Maturi e EY lançaram em 2023, 32% das mulheres que responderam ao levantamento estavam desempregadas há mais de 1 ano enquanto os homens representavam 20%. Já parou para pensar que a interseccionalidade se torna mais cruel para os grupos subrepresentados? Ao comemorar o mês da mulher, te convidamos a refletir sobre o papel crucial das mulheres maduras em suas equipes e a considerarem como podem promover uma cultura de inclusão e colaboração intergeracional. Não se esqueça que essa celebração não pode ocorrer 1x por ano, ou seja, somente no calendário que o mercado reconheça. Recomendamos, fortemente, que inclua o mês de Abril em seu planejamento como um possível mês que represente o pilar de gerações. #valorizeaidade #mulheresmaduras #mulheres50+ #8M #longevidade #maturidade #mesdasmulheres #diversidadeetaria #intergeracionalidade #combateaoetarismo
27 fev., 2024
Entre escolhas e redescobertas, a jornada de transformação da vida pela escrita aos 55
Share by: