É hora de combater a velhofobia

Regiane Bochichi • jun. 15, 2020

Mirian Goldenberg, uma das palestrantes do MaturiFest 2020, alerta para a necessidade de se lutar contra o preconceito com relação aos idosos no Brasil.


Todos os dias, às 7 da noite, toca o telefone da antropóloga Mirian Goldenberg. Do outro lado da linha, está José Guedes, 97 anos, com as respostas de um joguinho de palavras que ela inventou.


Logo depois, ele lê alguns versos de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões. Em seguida é a vez de Thais, de 95 anos que, também faz o joguinho de palavras e emenda com pensamentos de Clarice Lispector, Martin Luther King, Mário Quintana, Seneca, Einstein.


A noite termina ao som do piano de Nalva, de 92 anos, que está fazendo lives mostrando 500 músicas que toca sem partitura. 


Esta tem sido a rotina da doutora em Antropologia Social pelo programa de pós-graduação do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), autora de livros como “A Bela Velhice”, “Coroas”, “Corpo, Envelhecimento e Felicidade”, “Velho é lindo!” e “Liberdade, felicidade & foda-se”, durante este período de pandemia.


Desde 2015, se dedica integralmente a estudar os nonagenários, a ponto de, ao ser perguntada sobre a sua idade, responder 93, trinta anos a mais da sua certidão de nascimento. “Estou vivendo exatamente como eles e com eles. Compartilhando minha vida e valorizando o que lhes é caro: propósito, amizade, saúde, independência econômica e liberdade de ser você mesmo. “


Com essa bagagem, Mirian Goldenberg vai falar sobre vida longa e qualidade de vida, no MaturiFest 2020, o maior festival de trabalho e empreendedorismo 50+ do Brasil, que acontece de 06 a 09 de julho.


Nos seus estudos, descobriu que para envelhecer bem as pessoas precisam ter um projeto de vida para que quando chegarem aos 90, 100 anos, possam continuar se sentindo úteis, ativas e produtivas. “Precisamos combater o preconceito da sociedade que não percebe que essas pessoas têm uma alegria de viver, de contribuir, de realizar projetos, que muitos jovens não têm”.


Com mais de 30 anos dedicados às pesquisas na área de corpo, envelhecimento e felicidade, Mirian é uma combatente da luta contra qualquer estigma que seja imposto aos maturis e cravou um nome simples e de fácil entendimento para isto: velhofobia. “Eu escolhi esta palavra, porque todo mundo entende. Quando falamos de idadismo, gerontofobia, ageismo, pode ser que nem todos saibam o que é”.


Seu TED mais recente é sobre este tema. “Existe uma face perversa da pandemia, um discurso que revela valores e comportamentos genocidas e sociopatas, que tratam os idosos como inúteis, descartáveis, um verdadeiro “velhocídio”. E isso eu tenho combatido nas 24 horas do meu dia”.


Para enfrentar essa luta, teve que aprender uma lição: aprender a tratar de si mesma para ter equilíbrio e saúde mental para tomar conta de todos que ama. No início da crise do coronavírus, emagreceu sete quilos, teve insônia, ataques de pânico, ficou deprimida.


Foi aí que descobriu que era necessário se curar primeiro para ajudar os outros. “Nós, mulheres, nos sentimos muito culpadas quando dedicamos um tempo para olhar para nós mesmas. Uma das grandes transformações da vida que adquirimos com a maturidade é perceber que ter tempo para si não é uma atitude egoísta, mas um ato de amor”, analisa. “A necessidade de cuidar de quem amamos e a de cuidar de si é uma coisa só, indissociável. “


Ao escutar e compartilhar atividades diárias com os nonagenários, ela constata um efeito multiplicador e uma das formas concretas de combater a violência e o preconceito. Se os mais velhos estiverem fortes e saudáveis, seus filhos e netos também serão beneficiados.


Aliás, vale ressaltar que no universo pesquisado cai por terra aquela visão de que os filhos cuidam dos pais. Eles têm muito controle sobre as suas próprias vidas. A maioria deles recebe os filhos que se separaram, estão desempregados, ficaram doentes. Mirian sugere, inclusive, uma possibilidade de se recolocarem no mercado de trabalho em home office, aproveitando toda a sua experiência e bagagem de vida.


A pesquisadora acredita que “a revolução deste século é a revolução dos mais velhos”. A geração mais velha foi protagonista nas transformações comportamentais no século passado e não aceita um rótulo ou ficar calada. “Todos nós somos ou seremos velhos, hoje ou amanhã. Então, o nosso próprio destino está em jogo, o destino de nossos filhos e o destino de nossos netos”. E finaliza: “Se nós não combatermos a velhofobia desde agora, vamos viver em uma sociedade em que os velhos não poderão existir. Em que nossos filhos e netos não terão o direito de envelhecer com dignidade e liberdade”. 


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